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Ao longo dos meus parcos anos de vida, posso dizer que já tive contato com pessoas imensas, que me legaram inúmeras grandes lições que guardo para mim e que levarei para a vida toda. Algumas delas são bem conhecidas, outras, menos ortodoxas; Todas elas, entretanto, têm o seu valor. Seja ensinada por um professor em sala de aula, seja por um amigo numa mesa de bar, a verdade é que essas lições moldaram profundamente o meu caráter e o que eu sou e faço hoje. E é justamente por isso que eu gostaria de reunir algumas delas neste breve espaço, numa curta, porém sincera, homenagem a todos aqueles que contribuíram para a formação do meu caráter.

Algumas dessas lições me foram passadas diretamente pelo exemplo de alguém em específico – e, neste caso, faço questão de ressaltar o autor; outras eu aprendi por intermédio por várias pessoas. Embora não seja apto de citar especificamente quem me ensinou cada coisa, ressalto que sou igualmente grato a todos.

É importante lembrar que isto não é uma coleção de frases prontas que eu peguei na internet, mas lições verdadeiras que eu aprendi e que tento sempre colocar em prática. Cada uma delas foi escrita de meu próprio punho. Como são muitas – e eu provavlemente vou me lembrar de outras depois – vou falar sobre elas por partes. No futuro, talvez eu conte alguns dos casos em que as aprendi. Esta é uma história de pessoas fantásticas com as quais já tive o imenso prazer de conviver, e que me deixaram as seguintes máximas:

 

– Você nunca deixa os seus amigos para trás (Esta veio do meu grande amigo Thiago Caires, mais conhecido como “Lobão”)

– A paixão pelo seu trabalho e a noção de que outras pessoas contam com você para fazê-lo é mais forte do que a barreira física da dor ou cansaço (aprendi com um de meus professores de física do ensino médio, o “Val”)

– Se você tem paixão pelo que faz, as pessoas vão reconhecer isso (também aprendi isso, entre outras pessoas, com outro professor de física e matemática, o Ronaldo)

– Às vezes, tudo o que uma pessoa precisa é de um pouco de atenção e de um ombro amigo. Nunca negue isto.

– Se um amigo te chama para o bar para conversar, você vai, especialmente se ele está passando por um momento difícil. Lembre-se da lição acima.

– Com grandes amigos vem grandes oportunidades. Em grandes oportunidades você faz grandes amigos.

– Sério, você NUNCA deixa os seus amigos para trás.

– Abaixe um pouco a cabeça quando disser “obrigado” e olhe nos olhos quando o fizer. Você dará mais importância à gratidão e à humildade.

– Não tenha medo de dizer “bom dia” ao cobrador do ônibus ou ao caixa do supermercado. Às vezes isso pode render um sorriso sincero. Se não, ao menos você foi educado.

– Não importa o quão feia esteja a situação, não perca a cabeça. (Esta contribuição vem da minha mãe)

– Não importa se você é feio ou bonito. Se você não for falar com a garota, não terá a menor chance (Grande lição aprendida com meu amigo Neil)

– Um dia passado com um amigo é sempre um dia bem aproveitado, mesmo que vocês não tenham feito nada.

– Há mais poesia no mundo real do que em qualquer poema.

– Se alguém o fez sorrir de verdade, ou lhe ensinou uma grande lição, ou mesmo lhe fez algum favor quando você precisava, você estará eternamente em dívida com essa pessoa.

– Existem aqueles que vão fazer coisas legais por você porque esperam algo em troca e os que farão simplesmente porque você precisa. Não despreze nenhum deles, mas saiba diferençá-los.

– Um aperto de mão deve vir acompanhado de um olhar firme.

– Nunca abaixe o copo imediatamente após o brinde. Você sempre deve tomar um gole, mesmo que simbólico.

– As pessoas fazem gentilezas para você todos os dias. Aprenda a reconhecê-las e passá-las adiante.

– Um trabalho bem feito ou um gesto de bom caráter deve ser sempre reconhecido.

– As coisas mais importantes que você vai levar da escola e faculdade são as conversas e experiências que você teve com os amigos e colegas, mais do que as aulas.

– Você não terá boas histórias se passar todos os dias em casa, sozinho.

– Bons amigos rendem ótimas histórias.

– Nunca desperdice uma boa bebida.

– Sempre reflita se, um dia, quando for mais velho, você não vai achar ridículo ou absurdo o que está fazendo agora.

– Não se esqueça: É a SUA vida. Ninguém melhor do que você para saber como vivê-la.

– Nem todos os conselhos são bons, mas ouvir a todos com seriedade é fundamental. Só assim você saberá distingui-los.

– Mantenha o respeito por si mesmo e os outros vão te respeitar.

– Não espere que outro aja segundo a moral que você mesmo não segue.

– Cada lixo no chão que você jogar é um político a menos que você tem o direito de criticar.

– Tente ser menos negativo. Isso é muito chato.

– Escrever e falar bem o torna uma pessoa mais respeitável.

– Pratique a pontualidade e logo seus amigos começarão a praticá-la também.

– Você precisa conviver com os bons e maus exemplos para realmente entender a diferença entre eles.

– Todos experimentam uma temporada no inferno durante a vida, mas nem todos aprendem algo com ela.

A chuva produzia um som bastante conhecido na velha estação de trem. Era aquele “tap… tap…tap…” das gotas se chocando contra as poucas telhas que mal cobriam o velho banco de madeira em que Robert se sentara em silêncio. Este homem, que ainda não sabe que se tornará uma das maiores lendas de seu século, esperava pacientemente o apito do primeiro trem da manhã (embora ainda fosse madrugada).

O pobre diabo nascera sem sorte: Negro, miserável e sem instrução, num país e época que não viam com bons olhos tais atributos. Trazia apenas uma coisa como bagagem: Seu violão, velho companheiro de aventuras. Além disso, apenas a roupa do corpo: Um terno – com mais remendos do que terno – e um chapéu desbotado, mantidos religiosamente limpos, como sua mãe sempre lhe ensinara. É, ser pobre não é sinônimo de ser sujo, e, para ser alguém na vida, é preciso vestir-se direito. Robert sabia muito bem disso. No entanto, não era isso o que ocupava seus pensamentos naquele instante (não que ele conseguisse pensar em muita coisa além do “tap…tap…tap…” logo acima de sua cabeça), tampouco o fato de não ter um único tostão no bolso. Estava acostumado a viajar sem dinheiro. Daria um jeito de conseguir comida para sobreviver mais um dia. Garantir a vida era fácil. Ele estava mais preocupado em como poderia ganhá-la.

Se uma coisa é inegável, era seu talento como músico. De fato, tão impressionante que diziam por aí que ele invocava demônios e levantava os mortos através das cordas de seu violão, mas isso são apenas boatos. A lenda geralmente ofusca o homem. Quando estava fora dos palcos, ele não era mais Robert Johnson, o blues man que vendera a alma ao diabo em troca de proficiência e que encantava as platéias, mas apenas mais um rosto negro no sul dos EUA, cujo nome importava apenas para os registros policiais, e que agora aguardava em silêncio, como era prudente aos infelizes de sua classe fazerem. Ele ainda não sabia, mas estava prestes a entrar em um turbilhão de eventos que acabaria por tirá-lo do mundo para colocá-lo na história.

Não havia mais ninguém naquele pedaço de terra esquecido pelos deuses quando o primeiro apito soou ao longe. Robert virou pacientemente a cabeça na direção do gigante de ferro que se aproximava. Levantou-se e, ajeitando o chapéu, apanhou seu violão. Ao fim de alguns minutos, um vagão de carga estava parado, de portas abertas para ele. Robert Johnson deu um passo à frente, em direção à glória. O apito soou mais uma vez.

O trem deixou a estação.

O rapaz pálido, que conduzira a curta entrevista dentro da minúscula cela, encaminhou-se para a pergunta mais importante de sua carreira.

– Senhor X, para um homem condenado à morte, como o senhor, o que significa viver?

O senhor X, dando um longo trago em seu último cigarro, prendeu a fumaça por algum tempo nos pulmões.

– Viver – disse, expirando por fim – É uma constante batalha para não foder com tudo.

O jornalista ajeitou os óculos redondos, visivelmente confuso.

– Poderia explicar um pouco mais?

– Eu poderia explicar mil vezes – respondeu, dando mais um trago – mas você não entenderia. Filho, a vida é um período muito longo quando se tenta evitar de estragar tudo. Nós passamos 70, 80 anos neste mundo, cada um deles com 365 dias. Em todo esse tempo, eventualmente nós vamos foder com alguma coisa. Em algum ponto vamos nos meter em problemas. Vamos ter problemas com amigos ou com familiares; Problemas com a lei ou com o crime; Com a Providência ou com o acaso. Vê onde eu quero chegar? Cada um de nós caminha sobre uma corda bamba, a um passo da queda. Quão grave será ela? Bom, isso vai depender das circunstâncias. O que podemos fazer é tentar nos equilibrar no caminho de uma ponta à outra e fingir que não há nada lá embaixo. Alguns conseguem passar pela vida assim. Eu não.

O jovem limpou a garganta e endireitou-se na cadeira. Atônito, perguntou com a voz fraca:

– Então, esta seria a sua queda?

O senhor X levou o cigarro à boca pela última vez.

– Não, a minha queda foi há muito tempo. E, soprando a fumaça, acrescentou: Esta, meu caro, é a outra ponta da corda.

Jogou o cigarro no chão e, com o sapato, apagou-o.

         Rodrigo voltava para casa a passos lentos, trazendo nos lábios secos o gosto amargo do beijo e a lembrança de toda aquela situação que ele ainda não fora capaz de compreender. Cambaleava sobre a calçada deserta, com a mente inundada de dúvidas, perguntando-se o que teria feito de errado. Cada vez mais convencia-se de que a culpa fora inteiramente sua,  mas já era tarde e não havia mais nada que pudesse ser feito. 

         Carolina era um caso delicado, ele bem sabia. O velho Nestor o havia advertido sobre os perigos de se envolver com aquela pequena destruidora de corações, mas ele não se importou. Estava tomado pelo desejo de possuí-la em seus braços, ávido por tocar aqueles lábios macios com os seus próprios lábios. A bem da verdade, era só nisso que pensava desde a primeira vez que pôs os olhos nela e, a partir daí, nem todo o conselho do mundo seria capaz de dissuadi-lo de seu objetivo.          

          Chegando ao seu pequeno apartamento alugado, pôs as chaves sobre a mesa e retirou o casaco, ainda decidindo se acenderia ou não o próximo cigarro. De uma coisa ele tinha certeza: Não suportaria enfrentar sobriamente as próximas horas, que seriam as mais duras do dia. Pegou uma garrafa de whisky no armário da cozinha e tomou a primeira dose no gargalo. A dor crescia dentro de si a cada minuto, devorando-o aos poucos. Tentou repassar toda a cena na cabeça pela centésima vez, revendo cada sorriso, beijo e palavra, sem ainda conseguir encontrar qualquer ato seu que pudesse ter estragado tudo. Na verdade, não entendia o que havia acontecido. As coisas haviam tomado um rumo tão inesperado e estranho que ele não seria capaz de dizer exatamente quando recebera o golpe que despedaçou suas esperanças de que um dia poderia entregar seu amor à moça. Ela havia sido sutil. Tão sutil ao tocá-lo onde mais doía que ele não percebera senão agora, quando a dor beirava o insuportável. Finalmente conquistara o que tanto queria e, no entanto, tudo o que desejava naquele instante era cessar de existir.

         Lembrou-se, então, dos momentos finais. O simples e quase casual gesto de despedida marcava, fatalmente, o último adeus. Nunca mais, ele se convenceu, veria Carolina novamente ou buscaria notícias suas; Não se deixaria ser manipulado mais uma vez por mulher alguma, apenas para ser jogado no lixo quando ela se cansasse da brincadeira. Estava decidido a renegar para sempre uma parte de si, ainda que isso significasse abandonar algo que o tornava humano. Estava decidido a nunca mais se apaixonar por ninguém.

          Rodrigo tentou afastar os pensamentos enquanto adentrava a pequena e mal iluminada sala de estar, onde passara os dias mais solitários de sua vida. Puxou o banco de costume para perto de si e sentou-se à mesa, tomando mais um pouco de whisky. Hesitou por algum tempo, observando as graves paredes que o isolavam do resto do mundo – testemunhas silenciosas de seus fracassos e conquistas. Por fim, soltou um longo suspiro, pegou a guitarra que estava apoiada com indiferença em um canto e esboçou alguns acordes. Naquele momento, como que por mágica, todo o resto parecia dissipar-se. Não havia mais Carolina, nem o velho Nestor, nem mais pessoa alguma que o fizesse se sentir o mais dispensável espécime humano; Por um instante, a dor da derrota abandonara seus nervos despedaçados. Em seu lugar, uma aura quase tangível o cercava e o lamento mais perceptível de sua existência era executado por dedos pouco habilidosos em um instrumento rudimentar. Ali, sentado sozinho, com sua velha guitarra apoiada no colo, tocava as notas mais profundas de sua alma; As mais sinceras canções, que o mundo jamais conheceria.

Pedro Gonçalves de Oliveira

           Camila caminhava pelo corredor sem luz de lugar nenhum, onde se encerravam os gritos ausentes de dor silenciosa, do sofrimento invisível e perpétuo e do horrível e lento cessar de viver que devora, pouco a pouco, as almas das pessoas simples que não mais se viam por lá. Como em um pesadelo, que parecia não existir no tempo, seus passos ecoavam pelo vazio das sombras, enfrentando a umidade gélida que percorria os ossos e que faria até mesmo o mais otimista dos homens cair em desesperança. Não havia nada que pudesse resgatar a fé, ou mesmo a sanidade, uma vez tomadas por aquele ambiente esmagador.

             Um cortejo de portas passava silenciosamente ao redor da jovem, enquanto ela avançava para encontrar o número quase apagado, que anotara em um papel perdido. No ar, o cheiro acre de tabaco e erva há muito queimados, misturado com a urina seca dos viciados que saíram em busca de um pouco mais de prazer efêmero inundavam os olhos. Camila parou diante de um umbral, cuja porta, violentamente arrancada, não se distinguiria de qualquer outra até então. Ela adentrou o apartamento, apenas para não encontrar o que ansiava: sentado à poltrona, inerte, o corpo de Carlos, pálido pela falta de sangue e quase totalmente despido, segurava sem firmeza um envelope que não deveria estar ali. O conteúdo, naturalmente, fora destruído. Os cretinos haviam deixado o local antes que qualquer desconfiança lhes pudesse ser lançada, sem a menor consideração com o buraco que rasgavam. Para Camila, naquele instante, não havia mais nada além de tudo o que perdera; Restava-lhe apenas a lembrança do que nunca mais seria, do que talvez nunca tivesse sido.

Pedro Gonçalves de Oliveira

Eu caminhei sobre os trilhos

Percorri todos os muros

Dirigi sobre a calçada

Sem um puto no bolso

 

Eu observei as vitrines

E dobrei o jornal

Eu contemplei o abismo

Num copo descartável

 

Eu andei para longe… (Eu estava procurando)

 

Eu parei no sinal

E acendi um cigarro

Eu vi um policial de óculos

Conversar com uma moça

 

Eu dobrei a esquina

E cumprimentei um mendigo

Eu ouvi um homem chorando

No banheiro de um bar

 

Eu viajei para longe… (Eu estava sonhando)

 

Eu corri sobre as ondas

Escorrendo nos vales

E naveguei sete nuvens

Procurando minhas chaves

 

Eu esmaguei o chão de pedra

Com botas de borracha

Eu experimentei os ventos

E sequei à chuva

 

Eu saí para longe… (Eu perdi a minha fé)

 

Eu bocejei canções de amor

Virando meu rosto

E levei um soco

Na boca do estômago

 

Eu abri as torneiras

E espantei as sombras

Com um copo de whisky

E acordes de guitarra

 

Eu andei para longe… (Não desligue o telefone)

Uma tarde cinza e morta de domingo
O som dos motores e sirenes ao longe
As cortinas tremulam ao vento
A música ecoa pelo corredor

Panelas sujas de comida instantânea e enlatados na cozinha
O chão empoeirado, que precisa ser varrido, e a mesa coberta de livros e cadernos abandonados.
Eu me sento em meu quarto, olhando para a janela.
Sem palavras para dizer, sem ninguém para ouvir.

Sinto novamente aquela velha comoção, tão estranha e tão próxima, que, há tanto tempo ausente, trouxe-me nostalgia. Uma amiga ou inimiga, que sempre me leva de volta a mim mesmo, pelo caminho mais doloroso. Uma melancolia que me deixa feliz, no fundo.

Tão doce e tão amarga…

Não é uma sensação desagradável. Não me sinto maior ou mais humilde em sua presença, mas me sinto mais humano, e isso me basta. Em sua companhia, meus pensamentos se apuram; Ouço o chamado do mundo, convidando-me a conhecer suas maravilhas; Recebo o aviso do tempo, que me alerta que meus anos de juventude estão se esgotando e, antes que eu perceba, estarei velho e cansado.

Tantos lugares, tantas pessoas…

Tenho grandes sonhos; Tenho vontade de sair; Tenho necessidade de crescer. Mas, apesar disso, fico sentado no meu quarto, olhando a tarde cinza que já se apaga para a noite vindoura, escutando o som dos motores e sirenes ao longe, ignorando as panelas e o chão sujos…

Hoje acordei cansado, mortalmente cansado. Levantei-me nos primeiros raios de sol da manhã para cumprir meus compromissos, ainda atordoado pelo sono interrompido pelo despertador; À tarde, não resisti à oportunidade tão rara de descansar e dormi um pouco mais. Estava tão mortalmente cansado que tive um sonho dentro do sonho, e quando acordei do primeiro, o corpo recusava-se de obedecer às minhas ordens, impossibilitado de deslocamento. Encontrava-me vencido pelo cansaço, embora ainda estivesse dormindo. Quando finalmente acordei de ambos os sonhos, o cansaço físico havia se dissipado, finalmente, mas eu ainda estava cansado, mortalmente cansado.

Vejo-me exausto do peso de minha própria cabeça a esmagar-me; Exaurido pela minha própria solidão, com a qual aprendi a conviver, mas que se me tornou insuportável; Fatigado pelas preocupações com o futuro e as incertezas do presente. Em poucas palavras, cansado de minha própria existência.

Os grandes prazeres não me satisfazem como outrora; Por um tempo, encontrei, nos pequenos, uma forma de amenizar o fardo que sou obrigado a carregar. Suas nuances e sutilezas eram o que meu espírito parecia ansiar. No entanto, nada mais surte efeito; Eu perdi, aos poucos, a minha sensibilidade. A única coisa que ainda sinto é que estou cansado, mortalmente cansado.

A saudade, que me corrói a alma, tomou o lugar dos meus planos. Já não me é possível pensar no futuro sem me lamentar do adeus a um passado que jamais retornará; A solidão, única amiga de todas as horas, parece ter se incrustrado em meu ser, como uma cicatriz de ferro quente, de tal forma que agora me parece impossível que um dia sejamos separados novamente; As companhias que tanto desejo, não consigo mantê-las. Tornei-me chato, arrogante e indiferente. Tão chato, arrogante e indiferente que não consigo estabelecer a menor conexão com quem quer que seja. Estou fadado a morrer sozinho. Longe de todas as pessoas que afastei pela força do hábito, pelo medo e pela desconfiança; Longe daqueles que nunca saberão o quanto os amo e lhes sou grato.

Às vezes penso que um grande amor poderia me salvar da decadência. Apenas uma pessoa, com a qual o meu mundo pudesse se tornar dois, e que me fizesse acreditar que vale a pena continuar, que ainda existe sangue quente correndo nessas veias inertes. Mas estou mortalmente cansado até para isso. O amor, se quiser, que venha e persista até quebrar a minha barreira de medo e conformismo. Ele me encontrará sentado à mesa, com uma garrafa de whisky quase vazia e o sentimento fugaz de distanciamento, proporcionado pela embriaguez, que cada vez mais eu procuro encontrar.

Estou só. Não menos do que estaria se todas as outras pessoas desaparecessem da face da Terra. Minhas atividades cotidianas são quase todas solitárias. Não posso negar, contudo, que isso me trouxe uma grande oportunidade de buscar o autoconhecimento e aperfeiçoamento, oportunidade que eu soube aproveitar, mas já estou cansado de tudo isso, mortalmente cansado. A solidão, que almejei por anos e que finalmente consegui já se tornou desesperadora. Descobri, através da experiência, que o segredo está no equilíbrio. Antes, quando eu vivia cercado de pessoas, desejava estar sozinho; Agora, porém, desejo estar com mais pessoas queridas. Christopher McCandless disse que “A felicidade só é verdadeira quando compartilhada”. Sinto que estou descobrindo o significado desta frase da forma mais contundente…

Agora, nem a música, que tanto amei, nem as artes, a ciência ou a filosofia me trazem qualquer satisfação; Não me sinto mais feliz, como sempre acreditei que fosse, mesmo nos momentos mais tristes. Aprendi a diferença entre estar triste e infeliz. A tristeza vem e vai, mas a infelicidade inunda a nossa existência, tornando-a insuportável e, às vezes, enlouquecedora. Não acho que esteja ficando louco, mas admito compreender melhor aqueles indivíduos que, devido a uma extrema infelicidade, perderam o vínculo com a realidade. A infelicidade turva não apenas o nosso presente, mas todo o nosso futuro com uma coloração tétrica. Não apenas o agora parece ruim, mas todo o depois continuará sendo. Eis o problema: A infelicidade drena a nossa esperança e, sem esta, vão-se nossas forças. Eis porque me sinto tão cansado, mortalmente cansado.

Então, então você acha que pode discernir
Uma escada para o Céu de uma Autoestrada para Inferno?
Um buraco no céu de um Analgésico?
Você pode discernir um Hetfield
De um Coverdale?
Um Brian de um Page?
Você consegue discernir?

Eles fizeram você trocar
Seu heróis por maricas?
Cinzas quentes por coloridos?
O ar quente do motor pela brisa fria do ar condicionado?
Satisfação por paciência?
E você trocou
Os porcos de guerra
Por uma cela enferrujada?

Como eu queria, como eu queria que você estivesse aqui, lá, em todo lugar
Somos apenas a equipe da estrada
Nascidos para ser selvagens
E dez anos depois
Correndo para as colinas
O que encontramos?
As mesmas lágrimas por medos
Queria rock ‘n roll todas as noites…

– Pedro Gonçalves de Oliveira

Eu estava em meu caminho pela América do sul

Sem muito dinheiro, sem muita sorte

Apenas antigas canções para acalentar a noite

E o sol da manhã para me lembrar de que ainda estou vivo

 

Cruzando os campos e as cordilheiras

Na boléia de um caminhão

Eu penso no que deixei para trás

Mudando as estações do rádio

 

Às vezes eu sonho sobre como seria

Se eu não fizesse tudo errado

E me pergunto se sou bom o bastante

Para viver um grande amor

 

Tão logo eu acordo e já estou numa lanchonete

Com uma xícara quente nas mãos

Sentado sozinho

Esperando a minha próxima carona

 

Caminhando pelo acostamento

Em alguma estrada do Chile

As estrelas brilham como fogo

E o horizonte me aguarda

 

Pensamentos passam como um rio

Mas há um, em particular, ao qual me agarro

Em algum lugar repousa aquela

Que me trará a paz de espírito

 

Olhando para o teto de um ônibus

Nas planícies argentinas

Imagino como ela deve estar agora

E um sorriso brota em meu rosto

 

Mas o Uruguai me traz a lembrança

Amarga como cicuta

Concreta como rocha

Da minha condição errante

 

Eu, que não sou nada

Não mereço nada

Eu, que tenho medo e preguiça

Mas não demonstro fraqueza

 

“As paisagens do Brasil são fascinantes”

Disse-me um viajante peruano

Quando cruzávamos a Bolívia

No vagão dos operários

 

Por trinta dias eu andei

Com uma ideia fixa na cabeça

Então, ainda hesitante

Tomei um vôo para o Equador

 

O norte me aguarda, onde quer que esteja

Minhas costas cansadas sob o peso da mochila

E os pés calejados ainda caminham com firmeza

Minha viagem chega ao fim

 

Apenas uma lembrança

E agora ela se esvai

Revivendo todo o meu caminho

Pela América do Sul.